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Aposentadoria especial dos aeronautas por exposição à pressão atmosférica anormal

A atividade de trabalho do aeronauta, profissional que trabalha embarcado em aeronaves, o submete ao agente nocivo pressão atmosférica anormal. Tal exposição decorre do trabalho em altitude, pois na medida em que a altitude aumenta, o ar fica rarefeito, com um maior espaçamento entre as moléculas suspensas no ar, ofertando menor quantidade de oxigênio, bem como desregulando os fluidos corporais, que respondem à pressão atmosférica.

Assim, cabe demonstrar como deve ser o enquadrado tal atividade nociva em conformidade com sistema de proteção social, com vistas a máxima eficácia do direito fundamental à aposentadoria especial dos segurados que trabalham expostos a este específico agente nocivo.

A pressão atmosférica anormal é prevista como atividade nociva pelo Decreto 53.831/64, conforme código 1.1.7, o qual refere que a atividade com exposição a pressão atmosférica anormal, seja esta alta ou baixa, é capaz de ser nociva à saúde, e determina que seja concedida a aposentadoria especial pela contagem de 25 anos.

Posteriormente, em 24 de janeiro de 1979, restou publicado o Decreto 83.080/79, o qual previa, em seu Código 1.1.6, que a pressão atmosférica permite a contagem para fins de aposentadoria especial por 20 anos.

Ambos anexos dos decretos referidos seguiram vigentes por força dos artigos 58 e 152 da redação original da Lei 8.213/91, bem como pelos Decretos 357/91 e 611/92, respectivamente por seus artigos 295 e 292, que expressamente determinavam a validade dos anexos dos Decretos 53.831/64 e 83.080/79, ao mesmo tempo, até que nova lei dispusesse sobre a matéria

Esta vigência perdurou até a publicação do Decreto 2.172/97, em 5 de março de 1997, ocasião em que restou publicado novo anexo ao Regulamento da Previdência, revogando os anexos dos Decretos 53.831/64 e 83.080/79. O código 2.0.5 de respectivo anexo determinava a contagem de 25 anos para a concessão de aposentadoria especial por exposição à pressão atmosférica anormal.

O atual Regulamento de Previdência Social, publicado pelo Decreto 3.048/99, prevê no Código 2.0.5 de seu anexo IV que a pressão atmosférica anormal é agente nocivo que exige a contagem de 25 anos para a concessão da aposentadoria especial.

Assim, uma vez reconhecido que o exercício laboral ocorreu com exposição a pressão atmosférica anormal, o que é inerente à atividade de aeronauta, cumpre aplicar o Código referente à pressão atmosférica anormal para a contagem do tempo necessário à aposentadoria especial.

Ocorre que o Código 1.1.6 do Decreto 83.080/79 tem a previsão de 20 anos para a concessão da aposentadoria especial, sendo essa contagem mais vantajosa em relação aos demais códigos referentes à pressão atmosférica anormal, sejam anteriores ou posteriores à 05/03/1997.

Conforme entendimento do STJ, com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida.

O direito do segurado à aposentadoria especial tem escopo sobre o direito à proteção previdenciária, no caso em tela consagrado pelo disposto no artigo 57 da Lei 8.213/91, o qual tem viés de proteção à saúde do trabalhador exposto a agentes nocivos a sua saúde ou sua integridade física.

Assim, acerca do princípio lex tempus regit actum, cumpre destacar que sua razão de existir encontra abrigo como exigência da segurança jurídica, da proteção da confiança do cidadão e da boa-fé administrativa, de modo que o referido princípio veda a retroação da lei nova mais restritiva. No Direito Previdenciário é invocado tal princípio como forma de proteção do segurado em face da administração, uma vez que, via de regra, as modificações legislativas visam à restrição de Direito à proteção social. Em outros termos, a aplicação de tal princípio encontra abrigo no conceito de respeito ao direito adquirido.

Conforme doutrina Savaris em Direito Processual Previdenciário, pág. 395:
Independente da alteração legislativa quanto à caracterização ou aos meios de comprovação da atividade especial, nosso norte será a legislação vigente ao tempo da prestação de serviço. Ela nos informará se determinada atividade deve ou não ser considerada especial e também a forma de comprovação.

Ocorre que o próprio doutrinador reconhece que a aplicação de tal princípio não pode se dar de forma absoluta, justamente em função da natureza protetiva da saúde do trabalhador verificada na legislação relativa à aposentadoria especial (Direito Processual Previdenciário, pág. 396).

Com efeito, sob fundamento na índole protetiva da aposentadoria especial, é aceito a aplicação retroativa de legislação mais protetiva à saúde do trabalhador. Neste sentido, já julgou o STJ a aplicação retroativa da Lei Orgânica da Previdência Social, conforme precedente abaixo ilustrado:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO. ATIVIDADE ESPECIAL EXERCIDA ANTES DA EDIÇÃO DA LEI N.º 3.807/60. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE.
1. É firme a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça no sentido de ser possível, para fins de concessão de aposentadoria, o reconhecimento de atividade especial levada a efeito antes do advento da Lei n.º 3.807/60. Precedentes.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 1008380/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 28/06/2011, DJe 03/08/2011)

Ademais, o posicionamento recente da Turma Nacional de Uniformização vem demonstrando que o princípio tempus regit actum pode ser flexibilizado para conceder maior proteção ao segurado. É o caso do tema 287 da TNU, julgado pelo PEDILEF 0023252-47.2017.4.01.3500/GO em 27/08/2021, através do qual se reconheceu a possibilidade de retroação do Decreto 2.172/1997 para o reconhecimento de atividade especial em que a exposição ocorra por agentes químicos compostos por asbestos.

Não se desconhece o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no que tange à aplicação do indigitado princípio, com fundamento recaindo sobre a impossibilidade de flexibilização do mesmo sob pena de afronta ao artigo 6º da LINDB.
Neste ponto, revela notar que a utilização de legislação mais benéfica, seja pela retroação dos seus efeitos, como nos casos acima destacados, seja pela aplicação da repristinação, como no caso em tela, não afronta o disposto no artigo 6º da LINDB. Com efeito, o fim da norma previdenciária é proteger o segurado de um risco social. E na hipótese de ser utilizada a norma mais benéfica, o risco social não somente estaria sendo protegido, como estaria sendo aumentada esta proteção.

Acerca da finalidade da lei previdenciária, o próprio Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que o processo previdenciário, seja qual for o benefício pleiteado, sempre tem um núcleo comum, que recai na proteção previdenciária sobre um risco social.

Assim, sendo protegido o risco social previsto na norma mais restritiva, o mesmo será ainda mais protegido pela norma mais benéfica. Neste ponto, não haveria qualquer afronta ao ato jurídico perfeito ou ao direito adquirido o reconhecimento da contagem especial de 20 anos para a pressão atmosférica anormal para período posterior a 05/03/1997, data em que o artigo 261 do Decreto 2.172/1997 revogou os anexos do Decreto 83.080/79, pois a finalidade da norma estaria sendo melhor alcançada, pela maior proteção ao segurado. Ou seja, interpretando teleologicamente estaria melhor atingida a finalidade da norma de proteção pelo reconhecimento do direito à aposentadoria especial pelo período de 20 anos previsto no Código 1.1.6 do anexo do Decreto 83.080/79.

Ultrapassada esta análise no que tange a possibilidade de aplicação do Decreto 83.080/79 para períodos posteriores a 5 de março de 1997, salienta-se que para os períodos anteriores, mesmo que expressamente disposta a previsão de contagem diferenciada para a pressão atmosférica anormal, ainda se verifica resistência para a aplicação desta contagem pelo Judiciário, ainda mais quando se trata de período em que é possível o enquadramento por categoria profissional, o que ocorre nos períodos de trabalho até 28/04/1995, data da publicação da Lei nº 9.032/95, que alterou o disposto no artigo 57 da lei de benefícios, exigindo a comprovação pelo segurado de que o trabalho, exercido com habitualidade e permanência, ocorreu com sujeição a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.

Os fundamentos utilizados para afastar a aplicação da contagem diferenciada da pressão atmosférica anormal indicam antinomia ocorrida com relação ao código referente aos aeronautas (cód. 2.4.3 do anexo do Decreto 83.080/79, que prevê 25 anos para a aposentadoria especial), bem como fundamentam na impossibilidade de aplicação do código 1.1.6 do anexo do Decreto 83.080/79 pelas atividades especificadas no Decreto não preverem aquelas exercidas por aeronautas.

Inicialmente, não é aplicável o critério da especialidade, tendo em vista que a presunção de especialidade inferida pelo Código 2.4.3 do Anexo 2 do Decreto 83.080/79 é baseada na atividade perigosa exercida pelo aeronauta.

Com efeito, o Decreto 53.831/64, pelo Código 2.4.1, dispôs que a atividade de aeronauta era considerada perigosa. Já o Decreto 83.080/79, em seu Código 2.4.3, suprimiu a presunção de especialidade dos aeroviários de pista, mantendo tão somente a atividade dos aeronautas, porém manteve o reconhecimento por periculosidade.

Diferente da presunção por periculosidade, fica claro que o enquadramento pelo Código 1.1.6 de Decreto 83.080/79 se dá por exposição do agente nocivo insalubre pressão atmosférica anormal, diverso da ocorrência de periculosidade.

Assim, mesmo que haja um Código aplicável pelo anexo 2 do Decreto 83.080/79, que faz referência às categorias profissionais para as quais se presume a atividade especial, a partir do momento em que se reconhece a atividade especial por exposição à agente nocivo, resta possibilitado o enquadramento por Código previsto no anexo 1 do referido Decreto.

Exatamente por este motivo não se pode indicar antinomia, pois o Código 1.1.6 do anexo 1 do Decreto 83.080/79 faz referência ao enquadramento da atividade por exposição à pressão atmosférica anormal, como insistentemente alegado pelo segurado, enquanto o Código 2.4.3 do indigitado decreto faz referência ao enquadramento por atividade profissional.

Destaca-se precedente recente, retirado do processo n° 5006523-56.2022.4.04.7102, julgado na 1ª Vara Federal de Santa Maria/RS, em que a Magistrada decidiu em sentença pelo reconhecimento da especialidade da atividade de um aeronauta, pela exposição a pressão atmosférica anormal, sendo aplicado o tempo de contribuição de 20 anos devido a exposição a tal agente, até o marco de 05/03/1997 (último dia de vigor do Decreto 83.080/79). Segue trecho da Decisão:

No caso dos aeronautas, é possível o reconhecimento da especialidade da atividade exercida, em função do enquadramento profissional, até 28-4-1995 (Código 2.4.1 do Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/64). De outro lado, a exposição a pressão atmosférica anormal é agente nocivo capaz de ensejar o reconhecimento da especialidade da atividade, por equiparação à previsão contida nos Códigos 1.1.7 (pressão) do Decreto nº 53.831/64, 1.1.6 (pressão atmosférica) do Decreto 83.080/79, 2.0.5 (pressão atmosférica anormal) do Decreto nº 2.172/97 e 2.0.5 (pressão atmosférica anormal) do Decreto nº 3.048/99 (TRF4, AC 5006011-64.2017.4.04.7000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 28/10/2020, TRF4, AC 5069445-91.2012.4.04.7100, Sexta Turma, Relatora Bianca Georgia Cruz Arenhart, juntado aos autos em 8-6-2017).
Acrescento que até a publicação do Decreto 2.172/97, em 06/03/1997, o tempo mínimo de trabalho em sujeição à pressão atmosférica anormal a gerar direito à aposentação especial era de 20 anos. Com o citado diploma legal, o tempo mínimo foi elevado para 25 anos. A referida alteração legislativa deve ser aplicada diante do já consolidado entendimento jurisprudencial de que a legislação que rege o tempo de serviço para fins previdenciários é aquela vigente à época da prestação, em observância ao princípio do “tempus regit actum” (AgInt no AREsp n. 1.431.396/SP, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 5/11/2019, DJe de 8/11/2019.)

No mesmo sentido é o julgamento realizado pela n. Magistrado, Exmo. Sr. Renato Barth Pires, em sentença proferida no processo nº 5003113-07.2022.4.03.6103, decidiu por enquadrar o tempo especial de 20 anos até 05/03/1997 (último dia de vigor do Decreto 83.080/79), reconhecendo a exposição à pressão atmosférica anormal para a comissária de voo:

A exposição a pressão atmosférica autoriza a aposentadoria especial com 20 anos apenas até 05.3.1997, dado que, a partir de então, passou a ser considerado o tempo de 25 anos, na forma do Decreto nº 2.172/97, o que restou mantido a partir da vigência do Decreto nº 3.048/99.
Por tais razões, o fator de conversão a ser adotado até 05.3.1997 é o 1,5. A partir daí, o fator a ser considerado é o 1,2.

Por fim, é pacífico o entendimento nas Cortes Superiores que o rol dos Decretos Previdenciários é meramente exemplificativo. Logo, a indicação de atividades específicas nos campos referente ao Código 1.0.6 do anexo 1 do Decreto 83.080/79 não indica que apenas em tais atividades específicas se estaria exposto à pressão atmosférica anormal.

Com efeito, tal tese já restou analisada pelo STJ no tema 534, no qual se discutiu a possibilidade de ser reconhecida a atividade especial pelo enquadramento ao agente periculoso eletricidade, quando exercido após a vigência do Decreto 2.172/97, que havia afastado tal hipóteses de enquadramento.

Nesta perspectiva, é possível afirmar que a atividade especial pode ser reconhecida por meio do enquadramento de atividade não descrita dos Decretos Previdenciários. Neste ponto, pouco importa se a atividade indicada no Decreto é exatamente a atividade exercida pelo segurado que requer o reconhecimento da especialidade de seu trabalho.

Destarte, se o segurado laborou sob exposição à pressão atmosférica anormal, em função de aeronauta, mesmo que tal atividade não esteja especificamente descrita no Decreto, resta possível o enquadramento pelo Código 1.1.6 do anexo 1 do Decreto 83.080/79, com a contabilização do tempo em 20 anos para a concessão da aposentadoria especial.

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