Tribunal Regional Federal da 2ª Região afeta tema que envolve o reconhecimento de atividade especial dos aeroviários de manutenção de aeronaves, processos estão suspensos nos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo
Em dezembro de 2023, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região endereçou para o Superior Tribunal de Justiça dois recursos apresentados pelo INSS que tem como objetivo afastar o reconhecimento da atividade especial reconhecida por exposição a agentes químicos, mesmo que indicados como cancerígenos, quando houver a indicação de neutralização da exposição pelo uso de Equipamentos Individuais de Proteção – EPI.
Ao admitir tais recursos, entendeu a presidência do TRF2 afetá-los pelo rito dos recursos repetitivos, o que significa que tais recursos serão julgados como modelo para serem aplicados a todos os demais processos que versem sobre tal assunto.
Assim, foi determinada a suspensão de todos os processos que versem sobre o reconhecimento de atividade especial com alegação do segurado sobre a ineficácia dos EPIs para a neutralização dos agentes químicos bem como se a indicação de agentes químicos reconhecidamente cancerígenos determina a irrelevância do fornecimento do EPI.
Situação atual do tema
Embora o TRF2 tenha afetado este tema em dezembro de 2023, este assunto já havia sido afetado como a Controvérsia nª 274 do STJ e está pendente de análise pela Primeira Seção do STJ sob relatoria do Ministro Herman Benjamin.
No âmbito do STJ não houve qualquer decisão no sentido de determinar a suspensão dos processos em tramitação, porém a presidência do TRF2 afetou o tema como representativo de controvérsia determinando a suspensão dos processos até deliberação pelo STJ.
Assim, todos os processos que versarem sobre a ineficácia dos EPIs para a exposição a agentes químicos no âmbito da Segunda Região (estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo) ficarão suspensos. Nas demais regiões não há tal determinação de suspensão.
Entenda a controvérsia e a aplicabilidade deste tema aos aeroviários de manutenção de aeronaves
O principal motivo pelo qual a atividade dos aeroviários de manutenção é reconhecida como especial para fins de aposentadoria especial é a exposição aos agentes químicos. São inúmeros os agentes químicos utilizados na manutenção das aeronaves, desde óleos lubrificantes, combustíveis e solventes utilizados para a limpeza das peças a serem restauradas ou substituídas.
Destes produtos nocivos, a maior recorrência é o próprio querosene de aviação que, conforme informações técnicas da Ficha de Segurança de Produtos Químicos – FISPQ – emitida pela Petrobrás, tem em sua composição cerca de 25% de hidrocarbonetos aromáticos. Também podemos destacar o uso do tricloroetileno, que é um solvente utilizado na limpeza das peças.
Quanto aos hidrocarbonetos aromáticos, os tribunais reconhecem o potencial cancerígeno de tais compostos pela presença de um anel benzênico em sua estrutura molecular, o que indica que uma impureza presente é o próprio benzeno.
Tanto o benzeno quanto o tricloroetileno constam na Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos – LINACH, no grupo 1 dos chamados agentes químicos reconhecidamente cancerígenos para humanos.
Para fins de aposentadoria especial, as empresas fornecem o formulário PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário), que é um documento histórico-laboral que reúne informações sobre as atividades desempenhadas pelo trabalhador, os setores de trabalho, os agentes nocivos incidentes sobre o trabalho, dentre outras informações.
Ocorre que existe um campo de preenchimento no PPP que indica se houve neutralização dos agentes nocivos pelo uso de Equipamentos de Proteção Individual – EPI. Este campo, numerado 15.6, é preenchido com um S para a hipótese de haver neutralização da exposição por EPI ou é preenchido com um N para casos em que não tenha sido fornecido EPI ou mesmo que sendo fornecido, não haja neutralização do agente nocivo.
Na prática, as empresas preenchem os agentes nocivos presentes no ambiente de trabalho dos segurados, e indicam que houve neutralização pelo preenchimento do campo 15.6 do PPP.
Impossibilidade de neutralização de agentes cancerígenos
Com relação aos agentes químicos reconhecidamente cancerígenos, não existe dosagem segura para exposição, ou seja, não há limite de tolerância para exposição a tais agentes nocivos.
É por este motivo que se entende que não é possível neutralizar a exposição pelo uso de EPI, uma vez que o EPI serve para diminuir a exposição para limites seguros de exposição.
Este conceito de neutralização consta no texto do regulamento da Previdência Social, instituído pelo Decreto nº 3.048/99, que no artigo 64, §1º-A, em seu inciso segundo refere que a neutralização se caracteriza pela adoção de medidas de controle que reduzam a intensidade, a concentração ou a dose do agente prejudicial à saúde ao limite de tolerância.
Como referido pelo regulamento da Previdência Social, neutralizar é diminuir a intensidade ou a dose. Ora, se não existe dose segura para a exposição a agentes químicos reconhecidamente cancerígenos, não basta diminuir a intensidade ou a dose do ambiente de trabalho, pois o segurado seguirá sendo exposto a tal agente químico cancerígeno.
Previsão para a solução a ser tomada pelo STJ
Mesmo que seja sempre temerário apontar uma previsão para um julgamento que se propõe a sanar uma controvérsia afetada pelo rito dos recursos repetitivos nos tribunais superiores, como é o caso em análise, cabe destacar que a atuação de todos os tribunais deve cumprir o que determina o artigo 926 do Código de Processo Civil, de modo que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
Pois bem, como é obrigação dos tribunais manterem coerência em sua jurisprudência, com base na pesquisa por precedente é possível indicar uma tendência.
Assim, em análise a precedentes que avaliam a questão objeto de afetação, temos que há uma tendência a se reconhecer que com relação aos agentes químicos reconhecidamente cancerígenos, tendo em vista que a análise de exposição é qualitativa, ou seja, independe de quantidade, não deve passar a tese sustentada pelo INSS de que a indicação no PPP de que o EPI é eficaz seria suficiente para afastar a especialidade.