A aposentadoria especial é um direito previsto na legislação previdenciária para os trabalhadores que exercem suas atividades sob exposição a agentes nocivos à saúde ou à integridade física. Isso significa que há uma aposentadoria específica para os segurados que trabalham em condições especiais e prejudiciais à saúde.
No caso dos comissários de bordo, essa modalidade de aposentadoria tem ganhado cada vez mais destaque, especialmente por conta das condições diferenciadas e, muitas vezes, insalubres do ambiente de trabalho a bordo das aeronaves.
Mas afinal, o que são agentes nocivos e qual a sua relevância para a aposentadoria especial dos aeronautas, em especial dos comissários de bordo?
O que são agentes nocivos?
Agentes nocivos são elementos físicos, químicos ou biológicos que, em contato habitual com o trabalhador, podem causar danos à saúde ao longo do tempo. São exemplos de agentes nocivos:
- Físicos: ruído excessivo, vibrações, pressões anormais, radiações ionizantes e não ionizantes;
- Químicos: substâncias químicas como combustíveis, solventes, gases e vapores tóxicos;
- Biológicos: vírus, bactérias, fungos e outros micro-organismos prejudiciais à saúde.
Esses agentes estão listados nos anexos do Decreto nº 3.048/1999, que regulamenta a Previdência Social. A exposição contínua a eles, pode garantir ao trabalhador o direito à aposentadoria especial após 15, 20 ou 25 anos de contribuição, a depender da gravidade de cada agente.
Para que a atividade do comissário de bordo seja reconhecida como especial, a exposição aos agentes nocivos precisa ser habitual e permanente, ou seja, deve ocorrer de forma constante durante a jornada de trabalho, fazendo parte da rotina da função.
A legislação previdenciária é clara ao exigir que essa exposição não seja ocasional nem intermitente, o que significa que o contato com os agentes nocivos não pode ocorrer apenas em situações esporádicas ou de forma eventual. No caso dos aeronautas, em especial os comissários, os fatores prejudiciais estão presentes em praticamente todos os voos, o que reforça o enquadramento da atividade como especial.
E os comissários de bordo, estão expostos a agentes nocivos?
Sim! Os comissários de bordo estão entre os profissionais que, historicamente, atuam em condições que podem ser caracterizadas como especiais. Entre os principais agentes nocivos presentes na rotina desses trabalhadores, podemos destacar:
1. Pressão atmosférica anormal
Durante o voo, a aeronave é submetida a variações de altitude que causam mudanças significativas na pressão atmosférica. Mesmo com a cabine pressurizada, o ambiente dentro do avião não se iguala ao nível do mar. Essa exposição contínua pode provocar:
- Problemas respiratórios;
- Alterações no sistema cardiovascular;
- Cefaleias frequentes;
- Fadiga intensa devido à hipobaropressão (baixa pressão parcial de oxigênio).
A jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais do Brasil reconhece a pressão atmosférica anormal como agente nocivo de natureza física, nos termos do Decreto 3.048/1999, Anexo IV.
2. Radiação cósmica (radiação ionizante de alta altitude)
Voar em grandes altitudes expõe os comissários de bordo à radiação cósmica — partículas de alta energia vindas do espaço. Diferente da radiação comum, essa não é bloqueada totalmente pela atmosfera, o que torna a exposição cumulativa ao longo dos anos. Os riscos incluem:
- Aumento da chance de mutações celulares;
- Elevação no risco de câncer, especialmente de pele e leucemias;
- Problemas de fertilidade e impactos genéticos.
A radiação é reconhecida como agente extremamente prejudicial, sendo inclusive objeto de estudos específicos em medicina aeronáutica.
3. Ruído excessivo
O ambiente da cabine, especialmente durante pousos, decolagens e voos longos, é marcado por níveis elevados de ruído contínuo gerado pelos motores, sistemas de ventilação e movimentação da aeronave. Essa exposição pode acarretar:
- Perda auditiva progressiva (PAIR);
- Zumbido crônico;
- Estresse auditivo e insônia;
- Dificuldades de concentração.
Mesmo com a alegação de fornecimento de EPIs, a jurisprudência previdenciária frequentemente reconhece que não há eficácia plena de proteção contra o ruído no ambiente de voo, especialmente quando a exposição é intermitente e imprevisível.
4. Risco à Integridade Física – Acompanhamento no Abastecimento da Aeronave
Além dos agentes nocivos clássicos, os comissários de bordo também estão expostos a riscos à integridade física em diversas etapas do voo, incluindo o acompanhamento da tripulação durante o abastecimento da aeronave. Ainda que o abastecimento seja tecnicamente atribuído à equipe de solo, é comum que membros da tripulação permaneçam embarcados ou nos arredores da aeronave durante esse procedimento, conforme exigência operacional ou protocolo de segurança.
Nesses momentos, o trabalhador está sujeito a risco de incêndios ou explosões e exposição a produtos inflamáveis.
Esse cenário configura risco à integridade física, que também é contemplado pela legislação previdenciária como fator que justifica o reconhecimento da atividade especial. A presença constante em procedimentos que envolvem materiais inflamáveis e operações críticas reforça o caráter especial da atividade exercida pelo comissário de bordo.
Como comprovar a exposição aos agentes nocivos?
Para pleitear a aposentadoria especial, ou o reconhecimento do tempo especial, o comissário de bordo deve apresentar documentos que comprovem a exposição aos agentes nocivos. Os principais são:
- Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP): documento essencial que descreve as condições de trabalho ao longo da carreira;
- Laudos Técnicos de Condições Ambientais do Trabalho (LTCAT): geralmente elaborados pela empresa, com avaliação técnica dos agentes nocivos;
- Laudos Periciais realizados na empresa: são laudos periciais confeccionados em processos paradigmas, em relação a outros trabalhadores que desenvolvem a mesma atividade de comissário de bordo, podendo ser utilizado como prova emprestada.
Além disso, decisões judiciais já reconheceram a natureza especial da atividade do comissário de bordo, considerando as condições inerentes à função, mesmo diante de alegações de fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs).
Conclusão
A identificação e comprovação da exposição a agentes nocivos são pontos cruciais para que o comissário de bordo tenha acesso à aposentadoria especial ou a outra modalidade de aposentadoria que dependa do reconhecimento do tempo especial.
Trata-se de um direito garantido pela legislação e, muitas vezes, reconhecido apenas mediante a atuação de um advogado especializado, capaz de reunir provas e apresentar a tese com clareza perante o INSS ou o Poder Judiciário.
Se você é comissário de bordo e tem dúvidas sobre sua aposentadoria, é importante buscar o auxílio de um advogado especializado em direito previdenciário. Uma análise técnica do seu histórico profissional pode fazer toda a diferença na hora de garantir um benefício mais adequado à sua realidade de trabalho.