Crise COVID-19 e a redução da força de trabalho na aviação.

Crise COVID-19 e a redução da força de trabalho na aviação.

Em razão da crise que estamos vivenciando, diferente das crises econômicas anteriores, esta atingiu em cheio o setor da aviação e do turismo e o medo das demissões em massa novamente retornou, assim como a discussão sobre o conceito de redução da força de trabalho, previsto na cláusula da convenção coletiva dos aeronautas.

Importante consignar que a fatídica cláusula 3.1.2. está presente nas convenções coletivas desde a década de 80, época de início do plano AERUS, sempre com a mesma redação, sem evoluir ao longo do tempo, não houve preocupação em atualizá-la, garantindo maior clareza na sua aplicação.

Diante da falta de consenso na sua interpretação, foram movidos processos judiciais ao longo dos anos, cabendo ao Poder Judiciário a sua interpretação.

Em recente pronunciamento de um dos diretores da LATAM, o mesmo referiu um processo de 2016 para justificar a seguinte interpretação: segundo ele o conceito de aposentáveis seria aquele que tivesse mais de 50 anos e pelo menos 10 anos de LATAMPREV, o que causou polêmica.

Tal interpretação foge à realidade e destoa da verdadeira intenção da norma, que é aquela de proteger demissão em grupo de quem não tem renda para se manter sem emprego no médio prazo, senão vejamos.

Analisando a referida decisão de tal processo podemos interpretá-la. Trago abaixo trecho da referida decisão que analisa referida norma coletiva:

c) Os aposentados com complementação ou suplementação salarial proveniente de qualquer origem e os que estiverem na reserva remunerada, respeitada a ordem decrescente de antiguidade na empresa;

d) Os aposentáveis com complementação ou suplementação salarial integral, respeitada a ordem decrescente de antiguidade na empresa;

Assim deve ser aplicado “àqueles empregados, que se encontram reformados com remuneração pela Força Aérea Brasileira e aposentados que estejam recebendo complementação/suplementação pelo Governo do Estado de São Paulo, em decorrência do trabalho anterior na VASP (quando estatal)”, conforme consta do ACT 2013.

Verifica-se que eventual rateio de créditos pela Aerus não pode ser considerada como complementação salarial, para o fim dessa cláusula, posto que se trata de um fundo de pensão liquidado extrajudicialmente, portanto, sem idoneidade financeira.

Quanto aos aposentáveis, como também já definido: “Serão abrangidos todos aqueles empregados que já reúnam condições de aposentação pela previdência social e, simultaneamente, a percepção ou direito/expectativa de percepção, de complementação ou suplementação de qualquer origem.

Aposentadoria pela previdência social é aquela que se percebe cumprindo requisito de 25 (vinte e cinco) anos de contribuição como aeronauta e, 45 (quarenta e cinco) anos de idade, no mínimo”.

Quanto ao conceito de “complementação ou suplementação salarial integral”, em especial sobre benefício de Previdência Privada oferecido pela empresa (TAM PREV), salientou o ACT 2013, que assim seria aplicável a quem “gozar (levantar) o direito de 100% dos depósitos efetuados pela empresa e pelo beneficiário, no momento do desligamento”, não existindo à época, quem desfrutasse de tal condição.

À época tampouco existia quem pudesse auferir o Benefício Diferido constante do item A.8.7, do Plano de Previdência Privada. Para a situação atual, conforme fls. 1750, houve informação por parte da Bradesco Seguros, no sentido de que continua não existindo quem detenha o direito de levantamento de 100% dos depósitos efetuados pela empresa e pelo beneficiário. No entanto, a Bradesco Seguros afirma que há “possibilidade de levantamento do saldo [referindo-se ao “saldo de conta”] ainda que em 90%, por parte das contribuições da empresa, pelos empregados que adimplirem com a idade de 50 anos e tiverem mais de 10 anos de empresa”.

Considerando-se que a aludida cláusula do instrumento coletivo tem como escopo minimizar os efeitos danosos (sociais e individuais) da dispensa, preservando-se outrossim, os Aeronautas que não detenham outra fonte de subsistência, conclui-se que se deve considerar, nesse item, aqueles funcionários que possam usufruir do “Benefício Diferido por Desligamento”, como abaixo transcrito:

“A.8.7 – BENEFÍCIO DIFERIDO POR DESLIGAMENTO

A.8.7.1 – Elegibilidade

O Participante que pedir demissão ou que for demitido, e que na data do Término do Vínculo tiver o mínimo de 50 (cinquenta) anos de idade e o mínimo de 10(dez) anos de Serviço Creditado, será elegível a receber um Benefício Diferido por Desligamento a partir da data da Aposentadoria Antecipada.

O Participante poderá, alternativamente, optar pelo recebimento do Benefício de Resgate, extinguindo-se, com o seu recebimento, qualquer direito ao Benefício Diferido por Desligamento.

A.8.7.2 – Benefício

O valor do Benefício Diferido por Desligamento será igual ao obtido pela transformação de 100% (cem por cento) do Saldo de Conta, na Data de Início”.

O escopo da norma coletiva deve prevalecer e adequar-se à dura realidade econômica de 2016 – que ainda não era tão aguda em 2013 – pelo que se acolhe a nova interpretação, mormente porque o “benefício diferido” com saque de 100% do saldo em conta por quem alcançar os requisitos de idade e tempo de serviço creditado, é equivalente ao conceito de “suplementação salarial integral”, constante do item C, supra.

Para tanto, o Juízo determina que a empresa apresente nos autos a relação de comandantes aposentados, aposentáveis e daqueles elegíveis (10 anos de serviço creditado) à complementação ou suplementação, como TAMPREV.

O que se observa do trecho do julgado acima é de que não há que se falar em aposentável aquele que tem mínimo de 50 anos de idade e 10 anos de LATAMPREV, conforme deixou transparecer o diretor em live aos aeronautas.

A juíza deixa claro a sua interpretação em relação ao conceito de aposentável ao afirmar que:

Quanto aos aposentáveis, como também já definido: “Serão abrangidos todos aqueles empregados que já reúnam condições de aposentação pela previdência social e, simultaneamente, a percepção ou direito/expectativa de percepção, de complementação ou suplementação de qualquer origem.

Aposentadoria pela previdência social é aquela que se percebe cumprindo requisito de 25 (vinte e cinco) anos de contribuição como aeronauta e, 45 (quarenta e cinco) anos de idade, no mínimo”.

Em outras palavras, conforme destacado acima, é aposentável quem já reúne condições de aposentação pela Previdência Social E, SIMULTÂNEAMENTE, tem direito de sacar o LATAMPREV.

Concordo com a interpretação feita pela D. juíza no ponto, estando em conformidade com ampla e consolidada jurisprudência.

Contudo, discordo da referência à modalidade de aposentadoria citada em sua decisão, o que, conforme a magistrada:

Aposentadoria pela previdência social é aquela que se percebe cumprindo requisito de 25 (vinte e cinco) anos de contribuição como aeronauta e, 45 (quarenta e cinco) anos de idade, no mínimo.

Em primeiro lugar porque a magistrada faz referência a modalidade de aposentadoria inexistente, uma vez que a aposentadoria especial do aeronauta acabou em 15/12/1998 com a publicação do Decreto 3.048/1999, art. 190, § único e da Ordem de Serviço 619 do INSS, senão vejamos:

Decreto nº. 3.048/1999

Art. 190. A partir de 14 de outubro de 1996, não serão mais devidos os benefícios de legislação específica do jornalista profissional, do jogador profissional de futebol e do telefonista.

Parágrafo único.  A aposentadoria especial do aeronauta nos moldes do Decreto-lei nº 158, de 10 de fevereiro de 1967, está extinta a partir de 16 de dezembro de 1998, passando a ser devida ao aeronauta os benefícios deste Regulamento.

Ordem de Serviço 619

9.1.1. A partir de 16.12.98, fica extinta a aposentadoria especial do aeronauta, instituída pelo Decreto-Lei nº 158, de 10 de fevereiro de 1967, passando o benefício a ser concedido conforme as normas que regem o RGPS, em razão do disposto no §1º do artigo 201 da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, e no artigo 15 da citada Emenda Constitucional.

Referida aposentadoria era prevista em legislação específica, disciplinada no Decreto Lei nº. 158/1967:

Art. 1º A aposentadoria especial do aeronauta obedecerá ao que dispõe este Decreto-Lei e, no que com êle não colidir, à Lei nº 3.807, de 26 de agôsto de 1960 alterada pelo Decreto-Lei nº 66, de 21 de novembro de 1966.

Art. 2º É considerado aeronauta, para os efeitos do presente Decreto-Lei, aquêle que, habilitado pelo Ministério da Aeronáutica, exerce função remunerada a bordo de aeronave civil racional.

Art. 3º A aposentadoria especial do aeronauta, prevista no § 2º do artigo 32 da Lei nº 3.807, de 26 de agôsto de 1960 será concedida ao segurado que, contando no mínimo 45 (quarenta e cinco) anos de idade, tenha completado 25 (vinte e cinco) anos de serviço.

Deste modo, a modalidade referida pela magistrada em sua sentença não é a correta para fins de análise da possibilidade de aposentação.

A forma de aposentadoria mais correta a ser aplicada é a aposentadoria comum, uma vez que a aposentadoria especial não é tratada pela própria convenção coletiva no seu item 3.1.1., DA GARANTIA DE EMPREGO, POR TRÊS ANOS, ÀS VESPERAS DA APOSENTADORIA POR TEMPO, nem mesmo através da entrega dos formulários PPP, que deixam claro o não reconhecimento da atividade especial por parte da empresa.

Não será tarefa fácil verificar a situação de cada empregado aeronauta a fim de identificar aqueles aposentáveis, em razão de possíveis divergências nas contribuições assim como regras pós reforma da previdência que alteraram consideravelmente as possibilidades, criando 4 regras de transição novas.

Todas estas alterações não foram previstas pela convenção coletiva, dificultando ainda mais a sua correta interpretação.

Certamente tal tarefa exigirá um grande trabalho por parte da empresa e certamente trará dúvidas em relação a correta aplicação do conceito de aposentáveis, o quê, não há dúvidas causará uma grande margem para erros nesta avaliação.

Antes de finalizar, ressalto que meu escritório está vigilante nas questões que atingem a categoria a fim de garantir que nenhum direito seja violado, sempre resguardando o direito de autonegociação entre as partes, tanto no que envolve o direito coletivo de trabalho, materializado através da atuação do Sindicato Nacional dos Aeronautas, como na defesa individual do direito do aeronauta.

Em relação a possibilidade de negociação e autotutela das partes, destaco a importância de um ente imparcial que não o judiciário para intermediar um necessário e próximo acordo coletivo a ser realizado entre as empresas aéreas e seus funcionários, a fim de preservar empregos.

Neste momento o principal objetivo deve ser a manutenção dos empregos e a sobrevivência da empresa, dada a extrema gravidade da crise econômica ocasionada pela COVID-19.

Como meio de auxiliar nesta importante negociação trago a sugestão de o Ministério Público Federal intervir para mediar um acordo entre as partes.

Sem mais delongas e esperando por um desfecho final desta fase dramática e por um futuro promissor, peço aos meus clientes e amigos que tenham muita calma e inteligência para tomar suas decisões neste momento delicado.

Um grande abraço.

Dr. Bruno Mesko Dias.
OAB/RS 72.493.